
Indígena que denunciou estupro por policiais em delegacia do AM fala sobre abusos: “Trauma para sempre”

A mulher indígena da etnia Kokama, de 29 anos, que denunciou ter sido estuprada por policiais militares e um guarda municipal por 9 meses numa delegacia de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas, falou pela primeira vez sobre o caso e os abusos que sofreu.
“O medo me persegue diariamente. Vivo um trauma que sempre vou carregar”, disse em entrevista para a Rede Amazônica.
A indígena deixou o presídio feminino de Manaus na terça-feira (29/7), quando passou a cumprir pena em regime semiliberdade por um homicídio ocorrido em 2018.
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Ela sofreu abusos entre novembro de 2022 e agosto de 2023, quando estava detida na delegacia. A prisão ocorreu em 11 de novembro de 2022, após uma vizinha acionar a Polícia Militar por suspeita de violência doméstica entre a indígena e o companheiro.
Na delegacia de Santo Antônio do Içá, os policiais descobriram que havia um mandado de prisão em aberto contra ela, referente a uma condenação por envolvimento em um homicídio ocorrido em Manaus, em 2018.
Por falta de uma cela feminina, a indígena foi colocada em uma cela com presos homens. Porém, os detentos não abusaram dela, apenas os agentes de segurança pública.
“Diante disso, eles me colocaram em uma cela com homens, junto com meu filho, que tinha apenas 21 dias de vida. Fiquei presa lá por nove meses. Durante esse período, comecei a sofrer abusos sexuais por parte de policiais e guardas municipais. Não tive audiência de custódia. Disseram que haviam notificado a comarca de Manaus sobre minha prisão, mas, naquele momento, eu, minha mãe e minha família não sabíamos o que fazer”.
A mulher falou que os abusos começaram já na primeira noite na delegacia.
“Eu tinha acabado de amamentar. Ele abriu a porta da cela, estava bêbado, se aproximou de mim e disse que eu estava sob sua guarda e que tinha que colaborar com ele. Ele me deitou ao seu lado, perto de onde meu filho estava. Os outros presos não disseram nada, pois tinham medo de serem espancados, como sempre acontecia na delegacia de Santo Antônio do Içá”.
Devido os constantes abusos, a indígena cogitou tirar a própria vida.
“Eu queria acabar com a minha vida a qualquer momento, a qualquer custo. Sabia que, quando chegassem os finais de semana, à noite, teria que passar pela mesma situação e depois acordar e fingir que nada estava acontecendo naquele lugar. Não contei para ninguém porque tinha muito medo, principalmente pela minha família que estava lá. Meu único refúgio era minha mãe. Naquele momento, eu não tinha nenhum suporte”.
Ela permaneceu com o filho na cela por dois meses, até que o bebê contraiu uma gripe e foi levado para os cuidados da mãe da indígena.
“Tenho síndrome do pânico, penso que as pessoas vão me fazer mal, sonho, às vezes tenho algumas ilusões que não são comuns para um ser humano. Muitas vezes fiquei assim, mas fui acompanhada por psicóloga e psiquiatra para poder ter controle e realizar atividades dentro do presídio”.
Conform os relatos, o fato dela ter cometido um crime, isso não daria salvo-conduto aos agentes para a abusarem.
“Sei que estava respondendo pelo crime, estou respondendo pelo crime que cometi, mas isso não dava direito para tudo que aconteceu comigo daquela forma. Eu estava sob a guarda deles, e o dever deles era cuidar e proteger. Eles fizeram exatamente o contrário”.
Os abusos sexuais só foram denunciados em 27 de agosto de 2023, quando a indígena foi transferida para a Unidade Prisional Feminina de Manaus.
A Polícia Militar informou que abriu processos internos para apurar o caso. Três policiais e o guarda foram presos no último sábado (26) e um quarto policial foi preso no dia seguinte, após a repercussão do caso no Jornal Nacional.
*Com informações de G1.