
Juíza é demitida após usar a mesma decisão em mais de 2 mil processos no RS

A juíza Angélica Chamon Layoun, de 39 anos, foi desligada do cargo após uma investigação apontar que ela teria utilizado sentenças padronizadas em cerca de dois mil processos cíveis durante sua atuação em Cachoeira do Sul (RS). A decisão, tomada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), põe fim a uma trajetória marcada por desafios, mudanças de estado e dedicação à magistratura.
Formada em Direito, Angélica iniciou sua carreira no Judiciário em Pernambuco, onde atuou como juíza por quase seis anos. Após ser aprovada em concurso no Rio Grande do Sul, transferiu-se para o Sul do país em 2022. No entanto, pouco mais de um ano após sua posse, foi afastada para apuração disciplinar e, agora, oficialmente desligada, ainda durante o estágio probatório.
O processo disciplinar identificou que a magistrada teria usado sentenças idênticas para acelerar julgamentos, em uma tentativa de elevar a produtividade da vara onde atuava, unidade que, segundo a defesa, estava desestruturada há anos e sem juiz titular. A prática incluiu até o desarquivamento de ações já finalizadas, o que teria contribuído para inflar o número de decisões proferidas.
A demissão foi assinada no dia 3 de julho pelo presidente do TJ-RS, desembargador Alberto Delgado Neto, e teve o aval do Órgão Especial da Corte, após decisão unânime. Apesar disso, os advogados da juíza contestam o desfecho, alegando que a penalidade foi desproporcional, não houve má-fé e que o caso merece uma reavaliação. Um pedido de revisão disciplinar já foi protocolado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em nota, a defesa de Angélica ressaltou que ela enfrentava um cenário de extrema pressão: lidava com uma vara sobrecarregada, passivos processuais acumulados e falta de estrutura organizacional. Além disso, mencionaram que a magistrada conciliava a rotina jurídica com os cuidados do filho pequeno, diagnosticado com transtorno do espectro autista, um desafio comum a muitas mulheres que precisam equilibrar maternidade e profissão.
Ainda segundo os advogados, o processo foi agravado por resistências internas e preconceito velado por Angélica ser mulher, vinda de outro estado, e por ter tentado implementar mudanças administrativas. Eles afirmam que, ao invés de medidas extremas, o caso exigiria ações pedagógicas por parte da Corregedoria, considerando o contexto pessoal e profissional envolvido.
Angélica deixa a magistratura com uma atuação marcada por dedicação e esforço em meio a condições adversas. Agora, aguarda que o CNJ analise seu caso com imparcialidade, levando em conta não apenas os números, mas a complexidade humana por trás da toga.
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Veja a nota da defesa da magistrada na íntegra
A defesa manifesta profundo respeito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas discorda veementemente da penalidade imposta à magistrada Angélica Chamon Layoun, por considerá-la desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima.
Esclarecemos que não cabe recurso interno no âmbito do TJRS. Por essa razão, foi ajuizado Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ, onde se discute a proporcionalidade da sanção e vícios de instrução do processo disciplinar.
Por se tratar de processo que tramita sob sigilo, não é possível comentar o conteúdo integral dos autos ou os argumentos apresentados na petição de revisão disciplinar.
Ressalvado esse limite, cumpre esclarecer que a magistrada foi designada para uma vara cível que estava há anos sem juiz titular, com grande passivo processual e uma cultura de autogestão consolidada, sem rotinas estruturadas. Nesse cenário, buscou corrigir falhas operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar.
Além dos desafios próprios de uma unidade desorganizada, a juíza enfrentou dificuldades adicionais decorrentes de discriminação velada, por ser oriunda de outro estado, mulher e mãe de uma criança de três anos à época, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA).
A conciliação entre os deveres funcionais e o cuidado com uma criança com necessidades especiais representa um desafio adicional que qualquer mãe magistrada pode compreender.
Eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em estágio probatório e agravados pelas dificuldades de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar o rigor da medida disciplinar aplicada.
A Corregedoria-Geral de Justiça deveria ter priorizado medidas pedagógicas e de orientação, e não punições de natureza extrema, especialmente quando não há má-fé, dano às partes ou violação da moralidade.
Este caso suscita reflexões importantes sobre como a magistratura lida com as especificidades enfrentadas por mulheres magistradas, especialmente aquelas que exercem a maternidade simultaneamente à função jurisdicional.
A situação vivenciada pela magistrada Angélica poderia ocorrer com qualquer mulher que enfrente os desafios da dupla jornada profissional e maternal no exercício da magistratura.
A atuação da magistrada foi pautada pela boa-fé, pelo compromisso com o serviço público e pela transparência funcional.
Confia-se que o CNJ saberá avaliar o caso com isenção e profundidade, garantindo o respeito ao devido processo legal, à proporcionalidade da sanção e às garantias da magistratura nacional.
NILSON DE OLIVEIRA RODRIGUES FILHO
OAB/RS 121.624
PEDRO HENRIQUE FERREIRA LEITE
OAB/PR 60.781
ADVOGADOS DA MAGISTRADA ANGÉLICA CHAMON LAYOUN
MEDINA OSÓRIO ADVOGADOS
(*)Com informações do G1