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Massacre do Carandiru: relembre a maior chacina em presídios da história do Brasil

Massacre do Carandiru: relembre a maior chacina em presídios da história do Brasil

Phill Vasconcelos
Por Phill Vasconcelos | 22 de junho de 2025

Na manhã de 2 de outubro de 1992, a Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como Carandiru, se transformou em palco de uma das maiores chacinas já registradas dentro de presídios no Brasil. O saldo da ação policial para conter uma rebelião no Pavilhão 9 foi devastador: 111 presos executados e 110 feridos, segundo números oficiais. Mais de 3.500 disparos foram efetuados.

Até hoje, o que realmente aconteceu naquele dia segue cercado de versões desencontradas, apagamento de provas e feridas abertas na história do sistema prisional brasileiro.

O estopim

O massacre começou após uma briga entre dois detentos que rapidamente desencadeou um motim. Algumas testemunhas afirmam que a briga entre os dois detentos iniciou devido a rivalidades de facções. Outras versões afirmam que a briga foi iniciada após uma partida de futebol. Essa versão, em especial, foi reforçada no filme Carandiru, de 2003.

A Polícia Militar foi chamada para conter a situação. Mas, segundo sobreviventes, não havia reféns e o clima, embora tenso, não justificava o nível extremo de violência que se seguiria.

Às 14h, o 1º Batalhão de Choque (ROTA) invadiu o Pavilhão 9. Cerca de 330 policiais, fortemente armados com fuzis, submetralhadoras e cães, entraram no local com ordens claras: “reagir no mesmo nível dos presos” — o que, na prática, significou abrir fogo contra detentos, muitos já recolhidos em suas celas.

Execução em massa

O cenário foi de terror. Sobreviventes relatam que tiros ecoavam por todos os lados, corpos se acumulavam nos corredores, e sangue misturado à água de canos estourados formava verdadeiros rios vermelhos.

(Foto: reprodução/Folhapress)

“Eles não vieram para conter nada, vieram para matar”, relata Maurício Monteiro, sobrevivente da chacina. “Eu só não morri porque um tenente ordenou que o soldado não puxasse o gatilho na minha cabeça.”

De 8 mortos para 111

Na noite do massacre, o então diretor do presídio, José Ismael Pedrosa, informou à imprensa que apenas oito presos haviam morrido. No dia seguinte, a Secretaria de Segurança Pública confirmou o número real: 111 mortos. Mas há relatos de detentos que desapareceram sem qualquer registro, muitos deles sem família para reivindicar seus corpos.

Logo após a matança, a ordem foi clara: limpar tudo. Funcionários foram instruídos a remover corpos, lavar sangue, destruir cápsulas de balas e apagar qualquer vestígio da cena do crime antes da visita de familiares, marcada para o dia seguinte.

Justiça lenta e controversa

O primeiro julgamento só aconteceu nove anos depois, em 2001. O comandante da operação, coronel Ubiratan Guimarães, foi condenado a 632 anos de prisão, mas recorreu e teve a pena anulada em 2006. No mesmo ano, foi encontrado morto em seu apartamento; crime passional, segundo a investigação.

(Foto: reprodução/folhapress)

Outros 73 policiais foram condenados entre 2013 e 2014 a penas que variavam de 48 a 624 anos, mas o Tribunal de Justiça anulou as sentenças em 2016, sob a justificativa de que não era possível “individualizar a conduta dos réus”. A decisão foi revertida anos depois pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve as condenações, mas todos seguem respondendo em liberdade.

Hoje, tramita no Congresso um projeto de lei que tenta conceder anistia aos agentes envolvidos na chacina, defendido por grupos ligados às forças de segurança.

Impacto no sistema prisional

O massacre colocou sob holofotes o colapso do sistema carcerário. Na época, o Pavilhão 9, projetado para pouco mais de mil pessoas, abrigava 2.700 presos, a maioria réus primários.

(Foto: reprodução/folhapress)

Após o massacre, o Estado de São Paulo investiu pesado na expansão do sistema prisional. O número de presídios saltou de 64 em 1992 para 180 em 2019, numa tentativa de reduzir a superlotação — uma solução que, na prática, apenas ampliou o encarceramento em massa.

Semente do crime organizado

Especialistas apontam que o massacre do Carandiru foi um dos fatores que impulsionaram a criação e expansão do Primeiro Comando da Capital (PCC). O lema era claro entre os detentos: “Nunca mais um Carandiru”. Surgia, então, uma facção organizada, que prometia proteção e vingança contra abusos dentro do sistema penitenciário.

Legado sombrio

Três décadas depois, o que resta do Carandiru é o Parque da Juventude, construído após a demolição do complexo em 2002. Mas as cicatrizes do massacre permanecem na memória dos sobreviventes, nas famílias das vítimas e na história do Brasil.

Na avaliação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a chacina foi uma “ação punitiva e retaliatória da polícia, executada com absoluto desprezo pela vida humana”, deixando claro que o Estado brasileiro falhou em proteger aqueles que estavam sob sua custódia.