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Acordo para destravar BR-319 “esconde” pegadinhas

Acordo para destravar BR-319 “esconde” pegadinhas

Gerson Severo Dantas
Por Gerson Severo Dantas | 16 de julho de 2025

O anúncio feito pelos ministérios dos Transportes (MT) e do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA) da criação do Plano BR-319, que promete destravar o licenciamento ambiental da repavimentação da rodovia, que liga Manaus a Porto Velho (RO), esconde uma ou várias “pegadinhas” que no final seguirão inviabilizando a obra.

A primeira e mais evidente será a troca dos instrumentos de análise das condições ambientais para a liberação da obra. Sairá de cena o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima), que já estão prontos e aprovados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) desde 2022, para a execução e elaboração de uma nova ferramenta de análise, a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).

“Na prática, estamos voltando à estaca zero! Serão mais 15 ou 16 anos de enrolação. Este anúncio não é avanço histórico, é atraso crônico e vão seguir empurrando com a barriga. Essa gente não protege a floresta, protege o atraso”, denunciou o ex-deputado estadual Marco Antônio Chico Preto.

O senador Plinio Valério (PSDB), um dos maiores e mais ácidos críticos do Ministério do Meio Ambiente, classificou o anúncio de “balela, mentira, enganação”. Nas contas dele, o governo vai demorar dois meses para encontrar uma empresa para fazer a AAE, que só entregará o trabalho quando estivermos nas vésperas da eleição e este assunto novamente vai se perder na pauta política.

“O Ministério dos Transportes, cujo ministro (Renan Filho) quer fazer a obra, criou um grupo de trabalho, fez audiências públicas, ouviu todos os envolvidos e concluiu pela viabilidade ambiental da obra com a adoção de várias ações, como a construção de tuneis subterrâneos para passagem de flora, cercamento de 500 quilômetros. Foi um avanço, pequeno mas um avanço”, destacou o senador.

“Agora vem a ministra e diz que vai destravar! É mentira. Não vou permitir isso”, completou.


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Conforme anunciado pelos ministros Renan Filho (MT) e Marina Silva (MMA), a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) será feita por uma empresa independente contratada pela estatal Infra S/A.

A empresa contratada deverá atuar na chamada “zona crítica de impacto”, uma área de 50 quilômetros de largura de cada lado do trecho da estrada que está sem pavimentação (400 quilômetros aproximadamente) desde os anos 1980.

Nessa zona crítica de impacto o controle ambiental será rigoroso e no total  terá uma área de 40 mil quilômetros quadrados, o equivalente a quatro vezes o território de Manaus.

Um petista amazonense favorável a repavimentação do trecho central da rodovia está cético em relação ao anúncio, pois segundo ele Marina Silva e os ambientalistas do Ibama costumam, como numa segunda pegadinha, pedir a realização de estudos para licenciar uma obra, mas quando os estudos ficam prontos eles pedem novas avaliações e vão empurrando com a barriga eternamente.

Essa estratégia já foi adotada três vezes desde que o presidente Lula, ainda no segundo governo (2007-2010), anunciou a intenção de repavimentar o trecho central. A primeira vítima foi a Universidade Federal do Amazonas, que por meio do Centro de Ciências do Ambiente (CCA), uma das unidades de elite da academia amazonense, realizou o primeiro Eia-Rima.

O estudo, coordenado por um dos principais pesquisadores da Ufam, Alexandre Rivas, foi rejeitado e a licença não foi emitida. Um novo Eia-Rima foi feito, já no governo de Dilma Rousseff (2011-2016), por uma consultoria independente, mas igualmente novos estudos foram apresentados como necessários e novamente tudo voltou à estaca zero.

Em 2021, no governo Jair Bolsonaro, o Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (DNIT) contratou, por mais de R$ 3 milhões, a consultoria carioca Engespro para realizar audiências públicas e emitir um novo Eia-Rima.

O documento finalmente foi aprovado pelo Ibama, que emitiu a Licença Prévia (LP) no início de 2022. Essa LP foi suspensa, no último dia 2, por decisão da juíza Maria Elisa Andrade, do Tribunal Regional Federal da 1a Região.

Terceira pegadinha escondida no Plano BR-319

O tamanho da área a ser estudada, quatro vezes o território de Manaus, e o tempo de trabalho, estabelecido em dez meses, é mais uma pegadinha escondida no anúncio do acordo firmado pelo MT e o MMA para destravar o licenciamento da repavimentação do trecho central da BR-319.

O desafio, no caso, tem a ver com a gigantesca biodiversidade da região, pois conforme a ciência, a Amazônia abriga o mais diverso bioma tropical do planeta. Em apenas um quilômetro de floresta densa (virgem), como é o caso da região da BR-319, existem:

  1. Mais de 400 espécies de árvores;
  2. Aproximadamente mil espécies de insetos;
  3. Dezenas de espécies de aves, anfíbios, répteis e mamíferos

Esse nível de diversidade por área é extraordinário. Um único hectare (0,01 km²) pode abrigar mais espécies de árvores do que toda a Europa temperada. A complexidade dos ecossistemas amazônicos é sustentada por interações sutis entre clima, solo, água e formas de vida.

“Mapear tudo isso, os impactos sobre tudo isso, sem considerar espécies novas, é um trabalho que não vai acabar nunca”, diz o petista ressabiado com o  anúncio deste plano.

O que prevê o Plano BR-319

  • Ações de regularização fundiária;
  • Apoio às cadeias produtivas locais;
  • Proteção de terras indígenas;
  • Monitoramento de desmatamento;
  • Incentivo a práticas agroflorestais.
  • Garantir que os moradores da região sejam ouvidos durante os processos de licenciamento e nas decisões políticas que moldam seu território.