
Prefeitura de Atalaia do Norte homologa contrato de R$ 12,5 milhões com empresa inapta e é alvo de investigações

A Prefeitura de Atalaia do Norte (a 1.136 km de Manaus), homologou no dia 16 de junho de 2025 um contrato no valor de R$ 12.531.505,38 (doze milhões, quinhentos e trinta e um mil, quinhentos e cinco reais e trinta e oito centavos), com a empresa M.a.c. dos Santos LTDA (CNPJ 18.994.009/0001‑20), sediada em Manaus, para a construção da Escola Municipal de Tempo Integral Vale do Javari, com 13 salas, utilizando recursos do FNDE/Caixa. A contratação ocorreu por meio da Concorrência n° 004/2025.
Apesar do alto investimento, a falta de transparência no processo e o histórico questionável da empresa contratada levantaram alertas em órgãos de controle e acirraram críticas da população local.
Saiba mais:
Prestação de contas de Arthur Neto em 2020 ainda percorre nos corredores da CMM
Suspeita de nepotismo: David Reis é alvo de denúncia no TCE-AM por nomear tia na CMM
Segundo dados públicos da Receita Federal e portais de consulta, a M.a.c. dos Santos LTDA está com o CNPJ inapto desde janeiro de 2022, por omissão de declarações fiscais obrigatórias. A empresa é registrada como microempresa com capital social de apenas R$ 35 mil e possui como atividades principais serviços de manutenção elétrica e alvenaria, o que levanta dúvidas sobre sua capacidade técnica e estrutural para tocar uma obra de mais de R$ 12 milhões.
A situação cadastral “inapta” pode, inclusive, impedir legalmente a empresa de firmar contratos com a administração pública, conforme determina a Lei de Licitações n° 14.133/2021.
Falta de fiscalização no TCE-AM
Até o momento, não há registro do contrato ou da licitação no portal do Sistema de Acompanhamento de Gestão Pública (SAGP) do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), o que contraria os princípios de publicidade e transparência exigidos pela nova legislação.
Consultores jurídicos alertam que a ausência de registro pode representar infração grave, uma vez que obras com verbas federais exigem controle rigoroso, inclusive auditorias prévias e detalhamento técnico dos processos.
Além disso:
- não há publicização de garantias, cronogramas, medições ou relatórios técnicos.
- não há prova de vistoria técnica do TCE-AM antes da homologação.
- o valor médio por sala de aula na obra ultrapassa os R$ 963 mil, um número considerado elevado por especialistas da área.
Gestão sob críticas e investigações
A atual gestão do prefeito Denis Linder Rojas de Paiva (União Brasil) já vinha enfrentando críticas da população e investigações de órgãos de controle. Entre os principais casos:
- MP-AM recomendou criação de uma ouvidoria-geral, diante de diversas denúncias da população sobre serviços públicos e falta de transparência. A Prefeitura ainda não implementou a medida.
- Concurso público com 2.500 vagas está sendo fiscalizado pelo MP-AM, que exigiu cópias dos contratos e certames para verificar possíveis irregularidades.
- 59 escolas municipais sem saneamento básico foram alvo de procedimento do Ministério Público, que classificou a situação como de risco alto para a saúde de alunos e funcionários.
- Em outra frente, o Ministério Público Federal (MPF) firmou acordo para devolução de R$ 2,4 milhões por obras inacabadas de UBSs entre 2013 e 2015, revelando má gestão de recursos públicos em administrações anteriores com continuidade no modelo atual.
Outras licitações sob suspeita
A mesma gestão já firmou outro contrato de R$ 6 milhões para a construção de uma creche (Concorrência n° 005/2025), também com pouca divulgação dos dados no Portal Nacional de Contratações Públicas.
Em 2022, a prefeitura também foi alvo de questionamentos por anunciar gastos de R$ 3,4 milhões com computadores, sem detalhamento sobre a quantidade, a especificação técnica dos equipamentos ou as empresas envolvidas na venda. À época, moradores denunciaram “gastos duvidosos” e suspeitas de conluio licitatório.
Próximos passos: fiscalização e denúncias
Diante das irregularidades apontadas, parlamentares de oposição e organizações da sociedade civil já articulam o envio de representações ao TCE-AM, MP-AM e MPF para que apurem:
- a legalidade da contratação da empresa inapta;
- a ausência de dados nos portais de transparência;
- a lisura e justificativas técnicas do valor do contrato;
- o risco de continuidade de má gestão de recursos públicos.
O contrato milionário com a M.a.c. dos Santos LTDA levanta graves suspeitas sobre a condução de políticas públicas em Atalaia do Norte. A soma de um processo licitatório pouco transparente, com empresa inapta e uma gestão marcada por investigações, evidencia a necessidade de uma resposta firme dos órgãos de controle.
O caso da escola do Vale do Javari pode se tornar mais um símbolo de desperdício de dinheiro público — ou um divisor de águas, caso a fiscalização seja efetiva.
Comparativo populacional escancara desproporcionalidade
A obra milionária contrasta fortemente com a realidade populacional do município. Segundo o IBGE, Atalaia do Norte possui cerca de 19 mil habitantes, enquanto Manaus ultrapassa os 2,2 milhões de moradores.
Ainda assim, os valores aplicados na construção de uma única escola em Atalaia do Norte superam recursos destinados a instituições similares em bairros inteiros da capital amazonense.
A comparação escancara a desproporcionalidade no custo-benefício do investimento. Enquanto Manaus enfrenta dificuldade em expandir sua rede educacional com valores fracionados por aluno, Atalaia do Norte emprega quase R$ 1 milhão por sala de aula — o que levanta dúvidas sobre os critérios técnicos e orçamentários do projeto.